18 março 2008

Dona Dezi voltou!

Minhas duas ultimas semanas foram um caos.Tudo isso porque minha mãe viajou pra São João dos Patos, já que uma coisa é você viajar, outra e sua mãe viajar e te deixar em casa. Terrível minha gente.
Logo de cara digo que não sei passar café, o que é um sacrilégio pra uma viciada na bebida, mas eu não sei, e o café de papai não é igual ao café dela.Resultado: duas semanas no achocolatado. Sem falar no problema ao acordar de manhã, já que meu despertador toca, porém é Dona Dezi que vai lá e me dá uns cascudos pra eu levantar da cama na hora.Resultado:duas semanas chegando atrasada no trabalho.
As roupas amontoaram e eu tinha preguiça de cozinhar feijão e todo mundo reclamava da falta dele nas refeições, sem contar que o esquema da "janta" ficou cada um por si.Resultado: o estoque de miojo acabou.
Sempre admiti que não sei nada sobre minha casa, já que esse reino é exclusivo da minha mãe.Ela odeia que a gente se meta na cozinha, que mude as coisas de lugar, comanda tudo e briga com todo mundo se as coisas não saem do jeito dela. É por isso que nem eu, nem ninguém, consegue viver aqui civilizadamente sem te-la por perto pra dizer o que fazer. Talvez quando eu tiver a minha casa eu vá agir de forma diferente, mas aqui o negocio é com Dezimar.
Isso tudo é culpa dela que estragou a todos nós com aquelas coisas que só mãe faz, como separar o teu pedaço preferido do frango ou fazer doce de leite e pudim quando tu faz aquela cara de manhoso.Preparar almoços maravilhosos e gostar de todos os teus amigos e aturar eles na sua casa rindo das doidices que a gente diz.
Eu estava analizando e cheguei a conclusão que pra competir com a minha mãe de igual pra igual só mesmo a Dona Eurides que é muito fofa. Mas mesmo assim ainda voto na mamãe.
Que bom que ela já chegou e fez feijão pro almoço.

14 março 2008

E ele a beijou enquanto segurava um tomo de Fausto

Estava eu na Biblioteca procurando um livro do Garcia Marques, e tão absorvida me encontrava nesta busca que só depois de muito tempo percebi um casal que se encontrava na sessão de literatura francesa e alemã.
Então comecei a observar de soslaio suas ações. Eles não falavam, não cheguei a ouvir suas vozes, mas se olhavam tão cheios de cumplicidade, se tocavam com uma sutileza como se ambos fossem os livros velhos e amarelecidos pelo tempo que estavam naquela prateleira.
O silencio que jazia naquela parte da Biblioteca, a ultima e esquecida sessão de literatura deve ser o palco das maiores manifestações de enlevo amoroso. Onde todos andam com calma e sem peso, onde todos deixam-se estar alheios ao tempo, se faz sol ou chove ninguém vê ou se interessa. Apenas passam suas mãos nos livros, pinçam um poema. Foi lá na sessão de literatura francesa e alemã que encontrei um trecho de Kundera a respeito de amar uma mulher e deitar-se com ela. Não lembro com exatidão as palavras, ele diz que o ato de deitar e fazer amor pode ser feito com qualquer mulher sem discriminação, mas o desejo do sono compartilhado só se manifesta diante da mulher que amamos.
Olhando aquele casal eu compreendi o que Kundera quis dizer. Aprendi que o amor não precisa de palavras para ser revelado. Ele só precisa do breve instante do olhar, da intensidade do toque, das ações que sem premeditar se complementam, onde já lhe dá contentamento estar ao lado. Tem coisa mais linda, pensei eu depois de ler ao trecho, do que o seu amor com a expressão serena dada pelos sonhos?!Todo amor precisa do silencio e do lirismo de uma Biblioteca. Recomendo a todos a sessão de literatura francesa e alemã.

10 março 2008

California


O Assentamento Califórnia, localizado na zona rural do Município de Açailândia, Maranhão, existe há 12 anos. Foi fruto de muita luta entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e os grandes fazendeiros locais até que se chegasse a um acordo sobre a ocupação e posse da escritura da terra pelos trabalhadores.
Os moradores do Assentamento se orgulham do fato de não haver nenhum assassinato dentro destes 12 anos de ocupação da terra, mas isso não significa que não tiveram, e tenham, outros problemas que precarizam de maneira latente a vida de todos ali. Ameaça de morte por parte de fazendeiros e empresários, aliciamento e prostituição de menores, falta de infraestrutura básica, abuso de álcool e outras drogas pelos jovens, além de vários problemas de saúde que assolam principalmente criança e idosos, ocasionados principalmente pela incidência da fumaça provocada pelos fornos das carvoarias existentes no município.
Contudo a situação se agravou com a instalação, há três anos, de uma Carvoaria Industrial de propriedade da VALE ( ex-companhia Vale do Rio Doce) a 800 metros de distancia do Assentamento. Só pra se ter uma noção do estrago que este empreendimento vem causando, seus 74 fornos industriais ( repito por extenso: setenta e quatro fornos!) tem, cada um, a capacidade de produzir 30 vezes mais que um forno comum, sem falar que a monocultura de eucalipto para produção deste carvão vem empobrecendo o solo, muito necessário na agricultura, a principal fonte de renda dos moradores do Califórnia.

Mas onde eu quero chegar dizendo tudo isso?

É que na manhã do dia 8 de Março o Assentamento Califórnia se levantou, no contexto do Encontro Estadual do MST, e marchou com mais de 900 pessoas em direção a Carvoaria da VALE, demonstrando que estava cansado de gritar e não ser ouvido, já que as inúmeras denuncias ao IBAMA, Ministério Publico Federal, Secretarias Municipais dentre outros órgãos, além da tentativa de negociação com a VALE não deram certo ( eles nem apareceram na audiência que foi marcada). Munidos de enchadas, foices e faixas com palavras de protesto, com as mulheres no front (o que está se tornando comum em vários protestos) ocuparam o local e inutilizaram quantos fornos fosse possível. O que mostra que apesar do contexto da direção nacional do MST que apoia o governo voltado ao agronegocio de Lula, e também da direção local que apoia o governo de Jackson Lago, as bases que constroem verdadeiramente a luta pela Reforma Agrária e pela garantia de direitos essenciais não se corrompeu.
Mas o Jornal Nacional como sempre só me mostrou um bando de vândalos que invadiram uma propiedade privada e depredaram o local, dizendo muito vagamente o suposto motivo do ato de insanidade. E você pessoa que acha a Globo o baluarte da imparcialidade e da informação segura neste nosso pais continental chamado Brasil (como meu querido Dowglas gosta de dizer), fica pura e simplesmente absorvendo essa lavagem que criminaliza descaradamente os movimentos sociais.
Pobre Brasil.

PS: Essa imagem ai foi de uma manifestação no mesmo dia aqui em São Luis, em frente a sede do Governo Estadual, por providências com relação a monocultura de eucalipto.

08 março 2008

Da Mundoca à Gerusa


Eu já ouvi alguem dizendo que todo dia é dia da mulher...Achei isso muito piegas. Lembro que quando era pequena, na escola eles falavam muito superficialmente do por quê desta data.Superficial pelo fato de dizerem muito pouco sobre a luta das operarias por direitos trabalhistas, luta que terminou de maneira trágica, e enfatizar nos beijinhos e nos parabéns que você tinha que dar pra mamãe neste dia, além das rosas é claro! As rosas não podem faltar.
E eu sempre dava rosas pra minha mãe, ia num livro e copiava um poema pra recitar pra ela, coisa que a deixava emocionada. Mas pra mim sempre faltava algum esclarecimento maior sobre aquilo tudo. Então perguntei:

Por que não tem dia do homem também mamãe?

"Por que o homem tem oportunidades de fazer o que bem entende todos os dias, coisa que a mulher não tem minha filha."

No tempo da minha mãe era tudo muito diferente, não tinha essa história de direitos iguais. Ela e as irmãs aprenderam com a minha avó, que aprendeu com a mãe dela, que as filhas eram do pai até o momento de se tornarem do marido.Nunca eram delas. Meu avô era um homem rude, nunca foi carinhoso com ninguem, e minha avó que sempre foi uma fina flor, sofreu muito com isso. Sofria calada pois foi educada pra isso, pra nunca levantar a voz, nunca reclamar. Ela, semi- alfabetizada, trabalhava muito pra custear a educação dos filhos já que meu avô sempre dizia que não sabia ler e mesmo assim continuava vivo, mas ela não queria o mesmo destino pra minha mãe e meus tios e tias.
Elas tiveram que sair de casa, passar vexames nas casas dos outros. Minha mãe e minhas tias tiveram que trabalhar em troca da roupa, da comida e do teto, além da oportunidade de estudar, perderam a infância cuidando dos filhos dos outros. E quando queriam voltar pra casa minha avó dizia que não, que lá elas não teriam nada.
Longe da casa dos pais minha mãe foi aos poucos descobrindo o mundo, descobrindo que podia falar, de fazer muitas coisas, de casar com quem queria e não com quem meu avô desejava. E decidiu pelo meu pai, casou sem ninguem saber, e por ser a mais velha terminou de criar todos os irmãos.Ainda me lembro dos meus tios mais novos morando aqui.
Dona Maria Dezimar, minha mãe, sempre me ensinou muitas coisas, nunca me escondeu nada sobre a vida e sobre as pessoas. Sempre disse que eu deveria estudar muito, que meu melhor marido era minha inteligencia, meu trabalho, as coisas que eu poderia conquistar com o meu esforço, sem depender de ninguem. Ela não me mandava calar a boca, e Dona Mundoca, minha avó, sempre dizia que isso era mau.Pobre Mundoca, que só agora, depois da morte do meu avô sentiu que podia falar. Pobre Benedito, meu avô, que somente quando sentiu que ia morrer admitiu que sempre nos amou e conseguiu chorar. E nós choramos com ele.
Hoje eu tenho vinte anos, tenho consciência do papel dado a mulher na sociedade, e de que eu não quero me enquadrar neste papel. Os livros me ensinaram muito, mas se não fosse minha mãe eles não teriam chegado até mim. E mesmo quando eu não tinha a noção total da magnitude que este dia deve representar na luta de tantas mulheres, eu tinha a secreta certeza de que minha avó, minha mãe e todas as minhas tias, por tudo que elas passaram mereciam minha gratidão e homenagem pelo exemplo dado.


PS: Só pra constar ,nesse dia da foto a Mundoca tava me dizendo "pra eu parar de molecagem".Essa mão no cantinho e da minha mãe.