22 junho 2008

Rompendo o silencio


As vezes as pessoas me perguntam por que não gosto de falar sobre o meu trabalho, e digo que não falo por que não gosto dele. Na verdade eu queria realmente que a area onde eu atuo não fosse nem um pouco necessaria a nossa sociedade, mas infelizmente é o contrario, pois meu trabalho existe pelo fato de existir algo que considero entre os atos mais tristes que um ser humano pode cometer.
Há quase um ano atuo em um Projeto que pesquisa o fenômeno da Violência Sexual contra crainças e adolescentes em todo o territorio brasileiro. O que eu acho mais incrivel é que o Governo Federal criou este projeto depois da grande pressão internacional sobre um caso que aconteceu em um municipio vizinho a São Luis, onde doze garotos foram violentados, mortos e tiveram seu pênis decepado, pelo mesmo homem.
Mas esse é um caso atipico, pois quem comete violência todos os dias a meninas e meninos, em sua grande maioria, são pessoas que estão ali ao lado delas o tempo todo, que deveriam ser confiaveis, que tem o dever de proteger e amparar. São pais, padrastos, avôs, irmãos, primos, tios, amigos proximos da familia. E agora você me pergumta como pode ter o seu inimigo dentro da sua propia casa? Eu também me pergunto isso todos os dias.
Nessa pesquisa muito além de coletar dados devemos estudar e entender a situação para poder aplicar politicas efetivas de combate a ela. E é estudando que eu vejo que esse mal não vem do nada e para o nada vai, pois comprovam que a maioria dos abusadores é homem, e também sofreram alguma forma de violência na infância, seja ela fisica, psicologica, social, pois eram violentados, viam o pai bater na mãe e só aprenderam a se relacionar humilhando o outro, batendo, subjulgando.Que a maioria dos abusos são cometidos contra a mesma pessoa mais de uma vez, e que estes tem a conivencia, velada ou não, dos familiares, só se quebrando o ciclo torturante quando alguem de fora toma conhecimento do caso.Que as garotas abusadas, em sua maioria por não terem apoio familiar e psicologico para superar o ocorrido, tendem a manter relacionamentos conflituosos e violentos durante toda a sua vida, por simplesmente não se sentirem no direito de serem felizes, por se sentirem um pedaço de carne, um verme, por se sentirem culpadas de terem destruido um "lar", uma "familia", por não terem ficado caladas e evitado com o seu silencio tudo isso. Que a familia geralmente tem o pai como unico provedor e por medo das dificuldades financeiras se cala.
Estes casos estão em todas as camadas sociais, só que com uma frequência maior num meio onde a miseria está ao lado de cada ser vivente, onde não tem escola, posto medico, policia, onde não tem emprego, mas tem o trafico, a prostituição.
É por essa miseria que os pais vendem o direito de fazer sexo com sua filha em troca de um botijão de gás. É pela falta de educação que nestes lugares o homem se sente no direito de bater na esposa e se deitar com a filha dela, e se essa reclama é ela quem vai de casa pra fora pois a mãe não há de querer perder quem lhe enche de pancadas mas dá o sustento.
É dentro desse pais machista e patriarcal que o mercado paralelo da exploração sexual de menores é o terceiro maior, perdendo apenas para o trafico de drogas e de armas. Neste país de exaltação maxima do corpo feminino como objeto, de sociedade hipocrita que ensinamos todos os dias a nossos filhos a serem machos viris, aserem os donos do pedaço, e a nossas filhas a serem futeis e sem atitude.
O abuso a crianças e adolescentes só acontece também por que a nossa sociedade, não digo a lei, não vê esse segmento como individuos dotados de direitos, de vontades, de expressão. Nós em momento algum reparamos se de uma hora pra outra eles se tornam reclusos e agressivos, se aparecem com hematomas e mordidas, e aqui faço uma critica a minha condição de educadora, já que a escola não se acha no dever de denunciar estes casos.
Quando eu disse que desejava muito que o meu trabalho não existisse é porque queria que não houvesse crianças e adolescentes com o seu direito a uma sexualidade saudavel violados. Mas já que isso infelizmente acontece, me sinto mais aliviada por tentar fazer algo pre reverter isso. Ainda é pouco eu sei, e nessa profissão corremos o risco de não mais nos sensibilizar com a barbarie social, até para sofrer menos. E por isso que me sinto aliviada em estar chorando ao escrever este post, pois me mostra que ainda tenho o poder de me chocar, e só diante do desespero da vida é que nos movemos para mudar as situações.

PS: Daniel, só tu mesmo pra fezer eu quebrar minha promessa. Muito obrigado.

Um comentário:

Anônimo disse...

eu não disse que daria um post interessante?

se a maioria das pessoas fosse escrever sobre isso, não saberia. é preciso ter sensibilidade. eu, por exemplo, não conseguiria. mas é necessário. é o tipo de coisa que, quem conhece, não tem o direito de calar, não é verdade?

abs.